Bato-Papo: Daniela Mariuzzo e Raquel Schenkel Fancelli 

Daniela Mariuzzo, diretora da IDH Brasil e do Programa de Paisagens Sustentáveis na América Latina, e Raquel Schenkel Fancelli, produtora rural e liderança do agro em Mato Grosso desde 2014, conversaram sobre a necessidade de ampliar a representatividade do agro e modernizar as instituições, enre outros pontos.

Raquel é formada em ciências contábeis e pós-graduada em gestão pública municipal e gestão em cooperativismo. Sua família é de produtores rurais e ela atua na gestão da propriedade, localizada no município de Campo Verde-MT. É casada e mãe de três filhas. Em 2014 Raquel foi eleita, pela primeira vez, delegada da Aprosoja-MT. Participou da Academia de Lideranças e, desde 2017, é delegada coordenadora no município onde mora.

Confira!

DM: Você defende que o agro precisa estar na escola e a escola dentro do agro. O que isso significa na prática?

RSF: Temos percebido que alguns materiais pedagógicos que vêm da escola para as crianças colocam o produtor como vilão do desmatamento e das queimadas. E isso não é verdade. Nós somos os principais prejudicados quando isso acontece. Qual seria a intenção do produtor em fazer isso se o maior interessado em conservar a terra somos nós? Quanto mais frutos a terra der, é melhor para nós. A gente também não fica feliz quando essas situações ocorrem e somos os principais interessados em preservar nossas nascentes e nossas terras. E somos fiscalizados e cobrados para manter essa conservação. Quando isso não acontece somos punidos. Esses materiais escolares colocam toda uma sociedade contra o agro. Quando isso acontece com nossos filhos, que conhecem a realidade, é mais fácil explicar e mostrar que o que estão falando ali não é verdade. Mas e quando isso acontece com crianças que não têm contato com o campo? Têm crianças que não sabem de onde vem o leite, o ovo, o que comem. E, com isso, elas crescem pensando que produtor é bandido, destruidor.

DM: Como esse assunto pode ser conduzido pelo setor produtivo?

RSF: A gente precisa mostrar que isso não é verdade. Não adianta falar. Precisa mostrar. Levar crianças e professores para conhecerem a vida no campo, verem como funciona um plantio, como a queimada prejudica o solo. É uma questão de capacitação mesmo: de professores e de alunos. Mostrar coisas que, para nós, parecem básicas, naturais, mas que, para muitos, está distante do conhecimento, como por exemplo, mostrar como é feita a preservação de uma nascente do rio, como cuidamos da terra entre uma safra e outra, que precisa haver rotação de culturas para não ocorrerem erosão e pragas. O único jeito que eu vejo é ensinar pelo exemplo. Uma influência da prática para a teoria para quando chegar esse tipo de material nas escolas, eles possam comparar com o que viram.

DM: Quais outros espaços estratégicos de diálogo você considera importantes o agro estar ou estabelecer?

RSF: Em nossa propriedade, por exemplo, temos a Soja Plus e a certificação pelo IMA (Instituto Mato-grossense do Algodão). Precisamos cumprir muitas exigências em vários quesitos, que são cobrados e verificados anualmente. Isso vai desde embalagens, uso de EPI, lixo, tratamento de água, entre outras coisas. Todo esse cuidado tem um reconhecimento do mercado, com preços melhores, mas essa informação não chega para a sociedade. Mas a gente não fez isso em um ano. Foi um processo longo para fazer as adequações e fomos aprendendo que dá resultados. O que eu quero dizer com isso? Que o produtor precisa entender que dá para fazer diferente, para fazer melhor. E acredito que isso precisa ser levado como experiência para fora das propriedades. Entender o mundo está em constante evolução e a gente precisa acompanhar. Não dá para ficar parado.

DM: Por que você acha que essa informação não chega ao público? O que acontece nesse caminho e como vencer essa barreira?

RSF: A gente apanha tanto que está sempre procurando se defender. Quando aparece algo, estamos sempre na defensiva. Mas essa informação, sobre o que fazemos, não sai do nosso meio. Então, acredito que falta comunicação do produtor. Não sei se é porque somos “meio chucros”, não entendem nossa língua, ou talvez seja porque não tiramos um tempo para nos dedicar a fazer essa comunicação. Então, estamos sempre reféns do que os outros falam e aí reagimos para nos defender.

DM: Neste sentido, você acha que participar de outros espaços, de agendas multisetoriais, poderia ajudar?

RSF: É super importante isso. Já passou da hora de tentarmos reverter essa situação, de mostrarmos que estamos fazendo algo positivo. Não queremos reconhecimento por isso. Só queremos o respeito pelo que fazemos. Para mim, precisa modernizar esse pensamento e essa atitude. Participar mais e falar com ouros setores. O que o produtor sabe fazer? Plantar, colher…mas ele não participa dos espaços. Vejo pelo meu exemplo. Nós somos um grupo familiar, mas apenas eu participo do sindicato, da associação. Existe um pensando de que alguém vai lá para resolver as coisas. E o resultado é esse que estamos vendo: o agronegócio com descrédito e o produtor sempre no ciclo de apanhar e se defender. E isso é uma acomodação.

DM: Quais outras agendas você avalia como importantes para o fortalecimento do agro brasileiro, tanto internamente quanto no exterior?

RSF: Nós precisamos dar voz às novas lideranças. As entidades precisam investir em capacitação e formar novos líderes capazes de levar adiante as demandas que temos em nosso setor, em nossos municípios. Mas, para isso, temos que atrair o produtor para dentro das entidades. Ele precisa confiar na entidade para querer fazer parte. Depois que essa relação se estabelece, é possível desenvolver as agendas necessárias. Mas, com desconfiança e conflitos, nada vai para frente. E tem entidade que não passa a informação também. O produtor não sabe que pode participar de conselhos, quais direitos cobrar, como contribuir. É preciso haver uma modernização e uma descentralização desse poder. A gente precisa tirar a ‘viseira’ e expandir o olhar para o que está acontecendo no mundo. Com essa pandemia a gente viu que é possível fazer muita coisa e com grande alcance. Acabamos de participar de um Congresso de Mulheres, online, com grande participação e palestras excelentes. E, no início, achávamos que não seria possível. Vimos que é. Então, enquanto estivermos aproximando as pessoas e levando informações, isso não vai parar. É preciso ter sabedoria para usar isso a nosso favor.

DM: Essa modernização do agro passa pela representatividade também? Quem lidera, define a agenda e o tom da conversa? 

RSF: Acredito que a mulher está mostrando do que é capaz e os mercados estão se abrindo para essa nova realidade. Precisamos aumentar a representatividade das mulheres dentro das organizações também. Acho que esse também é um caminho de modernização e abertura de diálogo porque acredito que existem situações nas quais a mulher consegue contribuir mais para as soluções. E eu reforço que isso é uma parceria e que precisamos trabalhar juntos, contribuindo nas áreas nas quais temos mais aptidão. As mulheres, por exemplo, têm mais facilidade para procurar informações e pedir ajuda quando necessário. E, muitas vezes, isso faz a diferença na condução das coisas. É muito interessante isso: ver esse movimento e como um pode contribuir com outro. Acredito que esse é o momento do agro se fortalecer para chegar mais longe e melhor.